Às 8h46 da terça-feira, 11 de setembro de 2001, um avião sequestrado por terroristas colidiu com uma das duas torres do World Trade Center, em Nova York. Às 9h02 outra aeronave chocou-se contra a segunda torre. Às 10h28, os dois colossos de 110 andares estavam no chão. E 2.997 pessoas mortas.
É claro que os acontecimentos de um único dia não mudam a história. Às vezes são seus desdobramentos que acabam transformando o mundo. Às vezes nem é o mundo que muda, é o jeito das pessoas verem o que está a sua volta que se transforma e tudo parece alterado. Às vezes o fato em si não muda nada, mas indica que algo mudou. E as vezes, é tudo isso junto. “Os atos de terror de 11 de setembro foram assim”, diz Dermot Keogh, historiador da Universidade de Cork, na Irlanda, e autor de World After 9/11, (“O Mundo Depois de 11/9”). Para ele, mais que as ações dos terroristas, que ainda lançaram um terceiro avião sobre o Pentágono, em Washington, são os minutos em que todos paramos para ver o que acontecia em Nova York que importam. “Quando a segunda torre caiu, o mundo já estava diferente.”
As pessoas que estavam no World Trade Center na hora do ataque não imaginaram que seriam o estopim de guerras ou de atentados terroristas. Naqueles 102 minutos, elas se preocuparam apenas em sobreviver. E esta é a história delas.
8h30
Dianne de Fontes encontrou o escritório vazio quando chegou ao 89º andar da Torre Norte, no World Trade Center. Ela tirou os tênis confortáveis que usava para ir de casa até o trabalho e calçou os sapatos elegantes que guardava na gaveta. A vista vertiginosa que tinha da janela ao lado não a incomodava mais, já estava acostumada com a rotina. No andar de baixo, o casal Frank e Nicole de Martini tomava café. Nicole trabalhava no prédio vizinho, a Torre Sul, mas aproveitava os poucos minutos que ainda tinha antes do expediente ao lado do marido, funcionário da Administração do Porto de Nova York, empresa que construiu e gerenciava os sete edifícios do WTC. Na manhã de 11 de setembro de 2001, eles eram algumas das pessoas que chegaram entre a meia-noite e as 8h46 aos edifícios de 110 andares conhecidos como WTC 1 (Torre Norte) e WTC 2 (Torre Sul), os mais altos da cidade.
Acima deles, o prédio pulsava de forma frenética. No 92º, os funcionários da Carr Futures se preparavam para uma reunião na qual discutiriam suas taxas de comissão. Graças ao tema, apesar do horário, 40 deles já haviam chegado. Nos andares 101, 103, 104 e 105, o ritmo era igualmente acelerado. Ali funcionava a Cantor Fitzgerald, uma das maiores corretoras da cidade, onde 658 pessoas já aguardavam a abertura do pregão mais movimentado do planeta. Mas a manhã de céu azul, limpo e claro parecia ainda mais iluminada no Windows on the World (ou “janelas sobre o mundo”), nome apropriado para um restaurante a 400 metros do solo, nos 106º e 107º andares da Torre Norte. Às 8h35, Christine Olender, uma das gerentes, ligou para os pais em Chicago, como fazia todas as manhãs: “Está um lindo dia, mãe. Tenho que correr, preciso desligar. Um beijo.”
A maior parte dos empregados do restaurante estava no 106º andar, num salão fechado para uma conferência. Oitenta e sete executivos já aproveitavam o café-da-manhã oferecido pelos organizadores do evento, com sucos de frutas, pãezinhos com fatias de salmão defumado e bolinhos recheados de creme. No hall do 107º andar, Liz Thompson, presidente do Conselho Cultural de Manhattan, e Geoffrey Wharton, executivo da Silverstein Properties, correram para pegar o elevador. A porta quase se fechou, mas alguém a segurou. Foram as últimas pessoas a sair do Windows on the World. Eram 8h44.
8h46
“Uma bomba”, pensou Dianne logo depois de se recuperar do impacto que a jogou para fora da cadeira. “O piso parecia torto. A torre pendeu para o sul, balançou por três ou quatro minutos e, depois, voltou lentamente ao normal”, diz Dianne, entrevistada por Jim Dwyer e Kevin Flynn, autores do livro 102 Minutos. Diante da recepção, Teddy Helmer, que acabara de descer, se dirigia para a saída quando ouviu um forte estrondo. “Parecia que os elevadores estavam despencando”, diz Teddy, citado no 9/11 Comission Reports – os relatórios oficiais da comissão que o governo americano criou para investigar os acontecimentos daquele dia e que colheu mais de 10 mil depoimentos. Ele viu uma bola de fogo sair de dentro do poço e se jogou no chão. Sobre sua cabeça, a chama voltou sobre si mesma e tornou a subir. Lá em cima, ela chegou como um “murro poderoso”. Pelo menos é como Gerry Gaeta, funcionário da manutenção do prédio, se lembra dela. Após o susto, Gerry gritou para os companheiros no 64º: “É uma bomba. Vamos sair daqui”
O grande tremor foi sentido em todo o prédio. De uma janela no 61º andar, o corretor Ezra Aviles viu um rio de fogo escorrer pelo lado de fora da janela. Ele sabia que não era uma bomba e discou para a emergência: “Um avião cortou o céu e bateu na Torre Norte, bem acima da minha cabeça”, disse. Uma das asas tinha cortado o teto do 93º andar e a outra, o piso do 98º. Ezra ligou para a mulher, disse que estava bem e que deixaria o prédio naquele minuto.
Muitos não tiveram essa sorte, como os que foram surpreendidos dentro de um dos 99 elevadores. Com o choque, alguns despencaram, outros balançaram como pêndulos, ferindo e matando seus ocupantes. Num deles, em que seis pessoas ficaram presas, a fumaça se infiltrou rapidamente e acabou provocando asfixia. Ao bater a 720 km/h na face norte do prédio, o Boeing 737 foi se estilhaçando. Pedaços da fuselagem saíram pelo outro lado do edifício. Uma parte do trem de pouso foi parar a cinco quarteirões. Os 40 mil litros de combustível pegaram fogo e lançaram-se pelo céu, como se o líquido continuasse viajando, mesmo sem o avião. Formaram-se imensas bolas de fogo, a maior com uma circunferência de quase 60 metros. Parte do combustível queimou fora do prédio, mas outra subiu e desceu pelos quilômetros de poços de elevadores. A energia liberada escorreu em ondas pelo edifício, pulsou sobre o leito de rocha e rolou pelo Oceano Atlântico. O impacto gerou sinais em sismógrafos a 35 quilômetros dali. Mais tarde, os restos de um homem que trabalhava no 96º andar foram achados a 500 metros do WTC.
8h48
O elevador em que estava a artista escocesa Vanessa Lawrence parou e, após alguns segundos, as portas se abriram no 91º andar. A visão foi devastadora. O teto e as divisórias haviam caído e as pessoas se arrastavam pelos corredores procurando saídas de emergência. Das três escadarias, duas estavam reduzidas a pó. A que restara, porém, estava aberta. Quando o grupo de 18 pessoas chegou lá, viu que cerca de 15 centímetros de cobertura de gesso haviam saltado para fora das paredes, expondo a estrutura de aço e bloqueando os degraus que subiam. “Não havia ninguém descendo e vi que quem estava lá em cima não teria como escapar”, conta Vanessa, no livro 102 Minutos.
Damian Meehan chegou à mesma barreira, mas do outro lado. Ele vinha do 92º, de onde ligou para o irmão, Bob, pedindo ajuda. Não adiantou. Nenhuma das pessoas que estavam naquele andar conseguiu sair.
A situação das pessoas que estavam no Windows on the World também era desesperadora. Apesar de estar bem acima da zona de impacto, o local era um dos mais prejudicados. No topo do edifício, a sacudida foi mais intensa e assustadora e em pouco tempo o local foi tomado por uma fumaça densa e tóxica. Christine ligou para a central de comando do prédio. As linhas de emergência não funcionaram e nenhuma informação sobre os procedimentos de fuga chegaram lá em cima. A identidade do atendente não consta nos relatórios, mas suas palavras gravadas soam como uma sentença de morte. “A ajuda já está subindo”, disse. Não estava. Sobre as rotas de fuga, ele prometeu se informar e pediu para Christine voltar a ligar em dois minutos.
Abaixo do ponto de impacto, as pessoas pelo menos podiam respirar. Mais que isso, podiam correr. No centro de comando, Lloyd Thompson, diretor-adjunto de segurança contra incêndios, tentou evitar o clima de “salve-se quem puder” e organizar a saída. “Peguei o microfone do sistema de comunicação e ordenei a desocupação imediata”, escreveu em seu relatório às autoridades americanas. Sua mensagem, no entanto, não chegou a lugar algum: o sistema havia sido destruído.
8h49
De seu escritório no subsolo, o agente de segurança Richard Paugh via o que acontecia fora do prédio pelas câmeras. “As pessoas olhavam para cima e saíam correndo, desesperadas”, conta. Quando chegou à calçada, ele encontrou com o colega Allan Reiss, ex-diretor do Departamento de Aviação da Administração do Porto. Sob a chuva de destroços, Richard olhou para cima e viu que a fachada do prédio era agora uma parede de fogo. No meio das coisas que caíam, uma causou um estrondo: era a roda de uma aeronave. “Um avião bateu no edifício”, disse Richard, totalmente aturdido. “E não é um teco-teco. Essa é uma puta de uma roda”, respondeu Allan.
Trezentos metros acima, Marissa Panigrosso estava em sua mesa, no 98º andar da Torre Sul, ouvindo um CD com sucessos de Donna Summer. Uma lufada de ar quente atingiu-a no rosto e o calor chamuscou os papéis sobre sua mesa. Marissa ficou paralisada. “Ao tirar os fones de ouvido, escutei a ordem para evacuar o prédio. Não me lembro se eram os alto-falantes ou alguém gritando, mas lembro das palavras “fiquem longe das janelas e comecem a descer as escadas””, diz Marissa.
Como ela, muitos deixaram a Torre Sul naquela hora. Talvez guardassem na memória o atentado ocorrido em 1993, quando um carro-bomba explodiu no subsolo do WTC, matando seis pessoas. Na época, os sistemas de segurança foram postos à prova e falharam. As luzes se apagaram e a evacuação, por uma escadaria escura e tomada pela densa fumaça, levou cerca de 12 horas. No entanto, houve quem não percebesse o risco que corria. “Quando chegamos lá embaixo, ninguém sabia o que estava acontecendo e a desinformação fez com que muitos acreditassem que os problemas estavam restritos à Torre Norte e voltassem ao trabalho”, diz Marissa.
Em busca de orientação, os telefones fervilharam. Só nos dez minutos após o choque, o 911 (código de emergência) recebeu 3 mil chamadas. As pessoas ligaram também para parentes e amigos e deixaram relatos emocionados. “Você não vai acreditar no que estou vendo”, disse Brad Vadas, entre lágrimas, à sua noiva. Da janela de uma empresa no 89º andar do WTC 2, ele acompanhou uma das cenas mais perturbadoras daquela manhã. “Um cara, um cara… Ele arrancou a camisa pegando fogo e saltou. Ele saltou!”
Ezra Aviles correu escada abaixo como prometeu à esposa. Na saída, porém, seus problemas estavam longe de acabar. A praça era a pior rota de fuga para quem conseguia vencer as escadas. “Havia um apinhado de destroços e não parava de cair mais. Vi corpos e pedaços de corpos queimados. Foi impressionante”, diz. O bombeiro Danny Suhr foi atingido e morto por um deles.
8h50
Joseph Pfeifer, na época chefe do batalhão de bombeiros, foi o primeiro bombeiro a chegar ao complexo, às 8h50. Na hora da colisão, ele estava ali perto, sendo entrevistado para um filme do francês Jules Naudet. “É uma emergência. Um acidente, uma explosão no World Trade”, disse Joseph ao microfone de sua viatura, apenas 12 segundos depois do choque. Era a primeira das 18 mil chamadas que a central de operações receberia na próxima meia hora. “Aquilo pareceu um ataque”, disse a seus superiores, três minutos depois, já a caminho do local com sua guarnição. Nos minutos seguintes, chamaria outras duas tropas e até as 10h, mais de mil bombeiros chegariam ao WTC, sem contar os que estavam de folga e foram ajudar.
A mobilização da polícia não foi menor. Às 8h52, os primeiros agentes chegaram ao local e foi emitido o alarme “nível quatro”, o mais alto estado de alerta policial, equivalente a uma situação de guerra. Com tanta gente envolvida, organizar as ações não foi fácil. “A situação era caótica e as pessoas que saíam do WTC 1 não sabiam em que andar o fogo estava”, escreveu Joseph Pfeifer em seu relatório. “Logo que vimos a dimensão do ataque, sabíamos que aquela seria uma operação de resgate – e não para controlar o fogo. Poderíamos apagar o incêndio em um andar, talvez dois, mas não conseguiríamos lidar com o que nos confrontava agora”, diz.
Mesmo o resgate seria difícil. Quase nenhum dos 99 elevadores estava funcionando. Muitos estavam parados entre os andares, com pessoas a bordo. “Num arranha-céu em chamas, sem elevadores, enviar companhias para andares superiores é uma operação para se medir em horas e não em minutos”, afirma Donald Burns, na época um dos comandantes da operação. “Cada bombeiro carregava consigo cerca de 25 quilos, entre equipamentos e ferramentas. E ainda tinha de andar no contra fluxo de uma multidão que descia escadas apertadas para escapar da morte.”
E havia ainda mais problemas. “Em edifícios daquele porte, os rádios dos bombeiros tinham um histórico de mau desempenho, dada a massa de concreto e aço que dificulta a transmissão”, diz Burns. Os chefes não conseguiam contato com os bombeiros nos andares superiores – fato que já ficara evidente no atentado de 1993. Para Burns, em 11 de setembro, a cooperação entre policiais e bombeiros não funcionou.”Uma rixa antiga entre os departamentos impedia que eles treinassem juntos e, agora, impossibilitava um plano conjunto. Nem a frequência dos rádios era a mesma”, afirmou, no livro 102 Minutos. Vários avisos da polícia não chegaram aos bombeiros e vice-versa. Tampouco funcionou o badalado Departamento de Gerenciamento de Operações, criado pelo então prefeito Rudolph Giuliani para ser um elo entre as duas corporações. Localizado no WTC 7, vizinho às torres, ele foi evacuado minutos depois do primeiro impacto.
9h02
Às 9h todos os corretores da KBW, que ocupava três andares na Torre Sul, estavam de volta em suas cadeiras, prontos para recomeçar a trabalhar. O telefone de Stanley Praimnath tocou. Uma amiga de Chicago, que acompanhava tudo pela televisão, queria saber se ele estava bem. Stanley acabara de voltar ao escritório no 81º andar, depois de descer à recepção e concluir que o problema estava restrito ao outro edifício. Enquanto tranquilizava a amiga, girava a cadeira e olhava para a Estátua da Liberdade, para um barco que singrava as águas do rio Hudson, deixando um rastro de espuma. Eram 9h02 quando, pelo canto do olho, ele viu uma sombra se aproximar. Virou e percebeu um avião, as marcas vermelhas e azuis e a letra “u”. Stanley atirou-se sob a mesa e a amiga ouviu quando ele gritou por Deus. E viu pela TV a aeronave da United Airlines mergulhar na Torre Sul.
As asas do Boeing 767 cortaram nove andares, do 77º ao 85º. A sala de Stanley foi despedaçada, as paredes e o teto ruíram. Partes da asa do avião ficaram cravadas na porta a seis metros de onde ele estava. Ferido, rastejou por 40 metros entre destroços do que segundos antes era o local onde trabalhava. Não viu nem ouviu ninguém. Gritou por socorro, mas ninguém podia ouvi-lo ou ajudá-lo.
No escritório da Euro Brokers, no 84º andar, Brian Clark sentiu o abalo. Uma explosão sem fogo estourou portas e paredes. Parte do piso envergou, matando pelo menos 50 pessoas. Em meio à escuridão, com a pequena lanterna de brigadista que carregava no bolso, conseguiu encontrar um grupo de sobreviventes que iam para um corredor que dava acesso à escada A – depois, descobririam que aquela era a única saída. Já haviam descido três lances quando encontraram um homem e uma mulher que disseram ser impossível passar por ali, por causa do fogo e da fumaça. Resolveram subir, quando ouviram alguém pedindo socorro. Era Stanley Praimnath. Brian e Ronald di Francesco, que estava com ele no grupo, ajudaram-no a sair dos escombros e, então, tomaram rumos diferentes. Ronald decidiu encontrar-se com aqueles que subiram. Brian e Stanley resolveram arriscar e descer as escadas. Minutos depois, Ronald mudou de ideia e os seguiu.
Na escuridão os três encontraram Richard Fern, que no momento do choque estava dentro do elevador, no 84º andar. Antes que as portas se fechassem, ele saltou para o hall e saiu tropeçando em direção à escada mais próxima, um buraco escuro e cheio de fumaça, mas com linhas finas e fotoluminescentes que corriam ao longo dos degraus. Movido por pura adrenalina, Richard começou a correr. Ele seguiria por estas faixas pelos 1.512 degraus até o térreo.
As escadas que conduziam os quatro homens para a saída foram construídas para suportar algumas poucas centenas de pessoas de cada vez. Naquele dia, teriam de servir a milhares de pessoas que estavam abaixo do ponto de impacto. Mesmo com toda a correria, a situação no edifício 2 era, digamos, “menos pior” que a do irmão gêmeo. Às 9h15, as pessoas que haviam entrado no WTC 2 de manhã já tinham saído de lá, menos de mil permaneciam no seu interior. Das que ficaram nos corredores, poucas descobriram que a escada A era a única rota de fuga. No 78º andar, onde várias pessoas esperavam o elevador no momento do impacto, talvez houvesse 20 sobreviventes. Entre eles, os amigos Keating Crown, Kelly Reyher e Donna Spera, que tinham sérias queimaduras e vários ossos quebrados. Aos tropeções, eles encontraram a escada A. Seriam os últimos a deixar o prédio.
9h22
Quando o ex-delegado dos bombeiros, John Peruggia, chegou ao WTC, ouviu um aviso do Departamento de Edificações de que o dano nas torres era imenso e elas poderiam desabar. No prédio 1, na última hora, Frank de Martini e o colega Pablo Ortiz trabalhavam para liberar dezenas de pessoas presas nos andares logo abaixo da zona de impacto. Ao lado de Carlos da Costa e Pete Negron, todos empregados da Administração, derrubaram paredes, arrombaram elevadores, subiram e desceram as escadarias entre o 78º e o 90º andares. Segundo testemunhas, eles resgataram pelo menos 70 pessoas e quando foram vistos pela última vez, estavam a caminho de salvar mais. Acreditavam que o prédio ficaria de pé. Estavam enganados.
Faltava pouco menos de dez minutos para as 10h da manhã quando um fio de alumínio líquido escorreu pela janela do 80º andar. Alimentado por cerca de 34 mil litros de combustível, o fogo derretia restos do avião. Os pavimentos acima começavam a virar um só, escorregando uns sobre os outros. As vozes do 105º andar, 20 pisos acima da zona do choque, tornaram-se cada vez mais urgentes. Às 9h56, uma mulher ligou para o 911: “Meu Deus, o chão está cedendo, meu Deus”. Logo depois, uma voz masculina gravada no rádio da polícia avisou que o 93º andar estava se desfazendo. Ao seu lado, disse, pessoas desmaiavam. O topo do WTC 2 sucumbiu e num espaço de 10 segundos, a torre pulverizou-se e transformou-se numa onda gigantesca de poeira, explodindo no chão às 9h59. Apenas quatro pessoas que estavam acima do 78º andar, o mais baixo da zona de impacto, conseguiram sair de lá a salvo: Richard Fern, Ronald di Francesco, Stanley Praimnath e Brian Clark. No centro de Manhattan, o ar ficou negro.
10h01
Na entrada da Torre Norte, o chefe dos bombeiros Joseph Pfeifer limpou a poeira dos olhos e saiu correndo. Perseguido pela enorme nuvem de poeira, alcançou a rua e percebeu só então que o prédio vizinho ruíra. Ficou convencido de que era preciso evacuar as equipes de resgate do WTC 1.
Minutos depois, no alto do prédio, os helicópteros da polícia alertavam que a Torre Norte dava sinais de colapso. As pessoas que estavam no Windows on the World ainda olhavam pelas janelas. Nos andares abaixo da área de impacto, bombeiros totalmente exauridos recuperavam o fôlego no 19º andar. Nem chegaram a ouvir os alertas para evacuação. Às 10h19, o helicóptero Aviation 14 conseguiu atravessar uma selva de tráfego no rádio e falou com um operador em terra: “Fiquem alertas. Acho que o topo da torre está se inclinando agora”, disse, aos berros. Todos os operadores passaram a reproduzir, com algumas mudanças e em ritmo desesperado, a mensagem: “A Torre Norte está se inclinando na direção sudoeste”, alertou um deles. “Parece estar se curvando”, disse outro. “Abandonem essa merda”, pediu uma terceiro.
Bombeiros e policiais tiveram menos de 10 minutos para atender à mensagem. Às 10h28, 102 minutos após o primeiro avião atingir o WTC 1, começaram estouros sucessivos. À medida que caíam, os pisos superiores ganhavam velocidade e arrastavam os inferiores, numa progressão de dez andares por segundo.
Os olhos do mundo virados para cá
➽ O líder: O telefone móvel da policial Patty Varrone, que fazia a segurança pessoal do ex-prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani, toca: é o ex-subprefeito de operações da cidade, Joe Lhota: “A que distância você está do prefeito?”, ele pergunta. Ela diz que está ao lado de Giuliani. Lhota lhe pede, então, que avise o prefeito que um pequeno avião, talvez um Cessna, havia atingido uma das torres do World Trade Center. “Não, ninguém sabe ao certo o que ocorreu, se foi acidente ou intencional”, explica. Ao receber o recado, Rudolph Giuliani interrompe seu café da manhã e toma o rumo da Quinta Avenida. No caminho, pensa, segundo o relato em seu livro O Líder:“Num dia bonito como esse, um avião não bateria no World Trade Center por acidente”. Ele tinha razão.
➽ Ao vivo: Interrompendo um intervalo comercial, na época a âncora da rede de notícias CNN, Carol Lin, surge na tela e fala: “Isto acabou de chegar. Você está vendo… obviamente uma transmissão ao vivo perturbadora, aquele é o World Trade Center e nós temos informações não confirmadas de que esta manhã um avião se chocou com uma das torres do World Trade Center”. Em seguida, a emissora coloca no ar uma entrevista com Sean Murtagh, na época vice-presidente de finanças da rede, que fala por telefone: “Eu acabo de testemunhar um avião que parecia estar viajando numa altura abaixo do normal sobre Nova York. Aparentemente, ele bateu, eu não sei em qual torre foi, mas ele bateu, bateu diretamente no meio de uma das torres do WTC. Era um jato, talvez um de duas turbinas, talvez um 737, um grande jato de passageiros…”
➽ Rotina: Dois aviões F-15 partem da base aérea de Otis, em Massachusetts. Ninguém ainda sabe direito o que está acontecendo é apenas um procedimento-padrão de emergência.
➽ Sequestro: Um passageiro do voo 175, da United Airlines, Brian Swenney, liga para casa. Ele diz ao pai que seu avião foi sequestrado. Está ficando ruim, pai. A aeromoça foi esfaqueada. Eles parecem ter facas e porretes e disseram que tem uma bomba. Está ficando muito ruim no avião. Os passageiros estão ficando desesperados.”O avião está fazendo movimentos estranhos… Eu acho que não é o piloto que está no controle. Acho que estamos caindo. Parece que eles pretendem ir para Chicago ou algum lugar assim e lançar o avião em um prédio. Não se preocupe, pai, se algo acontecer vai ser muito rápido. Meu Deus, meu Deus.”
➽ Tudo bem: Os alto-falantes da Torre Sul do WTC anunciam que o prédio não corre riscos mesmo com a colisão no vizinho.
➽ Replay: O voo 175 atinge a Torre Sul entre o 77º e 85º andares. Milhões assistem à colisão pela TV. No Brasil, o jornalista Carlos Nascimento que na época comandou a transmissão ao vivo na tela da Globo leu trechos dos boletins das agências internacionais de notícias, de olho nas imagens da CNN. “Parece que agora temos imagens da primeira colisão”, diz. Seguem-se alguns segundos de silêncio. “Não. É um segundo impacto. É um segundo avião”, conserta. “Pensei que fosse replay”, diz Nascimento.
➽ O bode de estimação: O ex-presidente norte-americano George W. Bush visita uma escola primária em Sarasota, na Flórida. Diante de um punhado de crianças, ele lê trechos do livro The Pet Goat (“O Bode de Estimação”). O bo-de de es-ti-ma-ção. A me-ni-na tem um bo-de de es-ti-ma-ção. Mas o bo-de fez coi-sas que dei-xa-ram o pai da me-ni-na ner-vo-so”, diz o presidente dos Estados Unidos. Segundos depois, o assessor Andrew Card entra na sala e fala discretamente ao ouvido de Bush: “Um outro avião acertou a segunda torre do World Trade Center. A América está sendo atacada”.
➽ Ataque terrorista: Ainda na escola primária, o ex-presidente Bush faz um breve discurso para cerca de 200 estudantes, alguns professores e repórteres. Ele diz: “Hoje tivemos uma tragédia nacional. Dois aviões bateram no WTC em um aparente ataque terrorista ao nosso país”.
➽ Estado de guerra: O governo manda fechar as embaixadas americanas no exterior e coloca todas as bases militares em alerta. Medidas que não ocorriam desde o ataque japonês a Pearl Harbor, em 1945.
➽ Terceiro voo: Os controladores de voo do aeroporto de Washington informam o Serviço Secreto dos Estados Unidos que perderam o contato com a aeronave que fazia o voo 77 da American Airlines. Fora de sua rota original, o avião seguia, aparentemente, em direção à Casa Branca.
➽ Alvo militar: Com 64 pessoas a bordo e voando a 660 km/h, o Boeing 757 da American Airlines mergulha sobre o Pentágono, a sede das Forças Armadas norte-americanas. A explosão mata 125 pessoas em terra e todos a bordo.
➽ Último a sair: Depois de mandar esvaziar prédios públicos, incluindo as agências do correio, o governo determina a evacuação da Casa Branca, do Capitólio e do Departamento de Estado.
➽ Voo cego: O ex-presidente Bush levanta voo da Flórida. Mas seu destino ainda é um segredo. O Conselho de Segurança Nacional recomenda que o avião do presidente permaneça no ar e não pouse em Washington. A bordo, Bush fala por telefone com o vice-presidente Dick Cheney: “Estamos em guerra. Alguém vai pagar por isso”.
➽ Socorro: Do lado de fora do WTC, onde mantinha um escritório, Giulian não abandona o palco dos acontecimentos e fala às redes de TV. Pede calma à população.
➽ Primeira torre: 57 minutos depois de ter sido atingida, a Torre Sul cai.
➽ Ordem de ataque: Daniel Nash, na época piloto de um dos aviões de combate F-15 que levantaram voo naquela manhã, recebe ordem de atirar em qualquer aeronave que sobrevoe Nova York. Depois de interditar o espaço aéreo do país, toda aeronave em voo passa a ser considerada inimiga. É a primeira vez na história dos Estados Unidos que isso acontece. O controle aéreo militar de Nova York nos avisou pelo rádio que se víssemos outra aeronave nós deveríamos derrubá-la”, diz Nash.
➽ Notícias falsas:“Um carro bomba explodiu em frente do Departamento de Estado americano em Washington e o prédio está em chamas.” A falsa notícia circulou em televisores do mundo e, durante duas horas, foi “real”.
➽ Último ato: A Torre Norte do WTC desaba. Passaram-se, depois da primeira colisão, 102 minutos.
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