A campanha militar no norte da África tinha importância pequena para a Alemanha, relativa para a Itália e gigantesca para a Inglaterra. Contudo, a força de Erwin Rommel, a Raposa do Deserto, impôs humilhantes derrotas aos aliados.
Enviado para a Líbia em fevereiro de 1941, Erwin Rommel era pouco mais do que um gesto de boa vontade de Hitler para com Mussolini, que havia começado a lutar na região em junho de 1940, depois que forças britânicas ocuparam o forte italiano Capuzzo.
Ao assumir o comando do destacamento Afrikakorps, o alemão recebeu uma orientação clara: seu objetivo era apenas sustentar as posições italianas. Naquele momento, e graças a uma ofensiva inglesa batizada de Operação Compasso, o Exército fascista estava estacionado no território de Cirenaica, no noroeste da Líbia.
E ali deveria ficar. Não seria assim tão fácil, já que nos três meses anteriores os italianos tinham perdido 400 tanques e 130 mil de seus homens haviam sido capturados.
Pois Rommel transformou essa missão limitada em uma grande campanha de ofensiva no deserto. Diante dos ingleses, conhecedores do local e dispostos a manter terras que controlavam desde o século 19, ele, que à época já era conhecido pela alcunha de Raposa do Deserto, avançou até a fronteira com o Egito.
Avanço
Em junho de 1942, depois do avanço impiedoso contra as cidades líbias de Gazala e Tobruk, ele parecia capaz de chegar ao canal de Suez e criar para a Alemanha uma nova base de apoio para o front soviético — além de ocupar os campos de petróleo do Oriente Médio e virtualmente acabar com o combustível aliado.
À força, a Raposa queria fazer com que sua área de atuação ganhasse mais peso na estratégia do Führer, que naquele momento estava ocupado demais com o front russo.
Criado oficialmente em 12 de fevereiro de 1941, o Afrikakorps era uma força expedicionária composta, a princípio, apenas pelo 5º Regimento Panzer e por várias outras unidades menores, como a Brigada de Pára-Quedistas Ramcke. Também contava com oito divisões italianas, sendo três de infantaria. Alguns meses depois, somou-se também a 15ª Divisão Leve alemã.
Apesar de, oficialmente, estar diretamente subordinado ao Exército italiano, o alemão agiu por conta própria. Em 24 de março, Rommel desobedeceu todas as ordens e avançou contra as forças aliadas Em poucos dias, retomou a região da Cirenaica. Em junho de 1941, ele já estava às portas de Tobruk — apenas para ser rechaçado.
Reorganizados e contando com divisões dos Exércitos da África do Sul, da Nova Zelândia, da Índia e de um grupo de franceses sob a liderança de Marie-Pierra Koenig, os aliados reagiram e retomaram boa parte do território recém-recuperado por Rommel. Em 30 de dezembro, mais uma vez o Eixo estava estacionado em El Agheila.
O ataque
A partir de janeiro de 1942, e após receber 55 tanques e 126 mil toneladas de suprimentos, a Raposa lançou uma nova ofensiva, que dessa vez garantiria a tomada de Gazala e Tobruk.
Único porto onde podiam ser ancorados grandes navios em todos os 1,8 mil quilômetros de costa entre Sfax, na Tunísia, e Alexandria, no Egito, Tobruk era de grande importância em um campo de batalha em que grandes distâncias precisavam ser percorridas em regiões áridas, e a falta de gasolina e mantimentos era problema dos mais sérios.
Como se não bastasse, a cidade também abrigava a fortaleza mais formidável de toda a África, Got el Ualeb. Com 27 quilômetros de fortificações duplas, havia sido modernizada pelos italianos em 1935. Em seus arredores, que os alemães voltariam a tentar invadir, havia 900 tanques ingleses, contra 320 germânicos e 240 italianos.
E mais: a região era protegida pela Linha Gazala, que descia de Gazala até Bir Hakeim cercada por grandes campos minados. Essa linha criava novas dificuldades na abordagem de ataque.
Na noite de 25 de maio, bombardeiros germânicos, principalmente Messer-schmitt Me-109, agiram contra posições britânicas cruciais. O ataque por terra ao primeiro alvo, Gazala, começou a 26 de maio de 1942.
Liderados pelo general alemão Ludwig Crüwell, duas corporações de infantaria italianas e dois regimentos alemães da 15ª Brigada de Rifle, dirigiram-se à cidade usando a linha principal de defesa aliada. Enquanto esses homens eram pesadamente repelidos, Rommel conduziu três colunas de 10 mil carros cada até o flanco sul, a 54 quilômetros de Tobruk.
Provavelmente por causa de interceptação inglesa do sistema de comunicação alemão, o avanço surpresa foi detectado a tempo pelos aliados. Ao chegar a Bir Hacheim, ao sul, Rommel encontrou forte resistência e perdeu um terço de seus tanques. Teve de recuar e fazer falsos movimentos para distrair os inimigos e ganhar tempo.
Quando o combustível estava chegando ao fim e uma tragédia parecia iminente, Crüwell rompeu a barreira inglesa e chegou em socorro. No final de maio, Bir Hacheim foi cercada. Rommel seguiu rumo ao norte.
Em 2 de junho, o forte de Got el Ualeb caiu. Bir Hacheim só tombaria mesmo em 10 de junho, depois que Rommel mandou para lá o general Fritz Bayerlein para comandar as tropas.
No dia 13, a 90ª Divisão Leve estava em El Adem, onde começou uma guerra de tanques feroz no deserto aberto. Atacados de surpresa por armas anticarro, os ingleses foram derrotados. No dia 17, começava a investida em três partes contra Tobruk.
Vitória espetacular
Apoiado pela 132ª Divisão do Exército italiano, o Afrikakorps seguiu em direção às bases da 7ª Divisão de Tanques britânica, em Gambut. A manobra sugeria que Rommel seguiria em direção ao Egito e deixaria Tobruk intocada, mas cercada.
Porém, no dia 19, com o fim da resistência na área e o reabastecimento dos veículos, os alemães viraram em direção leste e começaram a marchar novamente contra a cidade portuária. No dia 20, começava então a terceira fase da ofensiva, o ataque em si. A ação começou em El Duda e seguiu a mesma estratégia que Rommel gostaria de ter colocado em prática sete meses antes.
Depois que 588 vôos alemães e 177 italianos bombardearam o alvo, os tanques deslocaram-se rapidamente e com uma visibilidade mínima no meio das tempestades de areia — ainda assim, o uso de rádio foi limitado, para impedir que, como acontecera durante a movimentação contra Bir Hacheim, as comunicações fossem interceptadas; as únicas transmissões permitidas foram usadas para repassar informações que confundissem os britânicos.
Ao fim do dia, e graças, novamente ao uso de canhões de 88 milímetros como artilharia antitanques, Rommel e seus 113 tanques haviam destruído 230 dos 300 tanques ingleses.
A ação começara às 6h35. Às 16h, os ingleses já haviam queimado todos os documentos importantes e parte de suas reservas de combustível. Às 20h, o alemão estava dentro da fortaleza, onde estavam 33 mil prisioneiros, 2 mil veículos e 5 mil toneladas de comida. Toda a região estava cercada por densa fumaça preta. Ainda assim, havia sobrado para os alemães 1,4 mil toneladas de combustível.
Fiasco
Foi a segunda maior derrota inglesa na Segunda Guerra. Pior do que Tobruk, só a campanha de Cingapura, ocorrida em fevereiro do mesmo ano de 1942, quando 85 mil homens se renderam diante de tropas japonesas numericamente inferiores.
Sobre o fiasco na África, em suas anotações, o primeiro-ministro britânico Winston Churchill comentaria, desolado: “Derrota é uma coisa. Humilhação é outra”. Hitler, em compensação, daria a Rommel o título de marechal – aos 50 anos de idade, ele passava a ser o mais jovem militar alemão a chegar tão alto na hierarquia.
Quando recebeu a notícia do reconhecimento de seu premiê, o comandante, vaidoso, ficou satisfeito, mas reagiu com desdém: “Eu preferia que ele tivesse me mandado mais uma divisão”.
Enquanto os ingleses remoíam a derrota e o Führer comemorava a vitória, Rommel levou seus homens até El Alamein, a 100 quilômetros de Alexandria. Chegou ali no dia 30, apenas 10 dias depois da vitória acachapante. Chegou com homens exaustos e apenas 12 carros de combate.
Essa correria foi feita a despeito das ordens expressas de Mussolini de que ele não avançasse (o premiê italiano acabaria sendo convencido por Hitler dias depois). A pressa tinha sua justificativa.
Acostumado a se aproveitar das brechas abertas pelos adversários abatidos por derrotas, o marechal não queria perder mais tempo do que já tinha perdido – há mesmo quem diga que voltar para Tobruk, em vez de seguir diretamente em direção a Suez, foi um erro de estratégia.
“Não houve erro. Nem mesmo ele ousaria avançar para o Egito com aquela posição em sua retaguarda”, afirma o coronel britânico Desmond Young, que lutou contra Rommel na África e, ao final da guerra, impressionado com as façanhas do adversário, escreveu uma biografia do alemão, publicada em 1950.
Neste livro, ele diz que, durante a ocupação de Tobruk, o futuro marechal chegou ao auge da genialidade. “Ele comandou seus homens com brilhantismo, manteve a todos com alto nível de disposição, apesar das dificuldades iniciais, e alcançou uma conquista extraordinária tirando o melhor do armamento que tinha em mãos”, diz Young.
A derrota inglesa provocou uma mudança de atitude. Foi nesse momento que o general Bernard Montgomery assumiu o comando das forças aliadas na região. Na África e na França, Montgomery iria se tornar uma pedra no sapato de Rommel.
Em 1943, Montgomery conseguiu a virada britânica. Mobilizou cerca de 195.000 homens para a batalha de El Alamein. O ataque maciço fez Rommel recuar e retirar-se para o Egito, mesmo sem autorização de Hitler. Em 13 de maio de 1943, o que restou do exército de Rommel se rendeu aos aliados, nos arredores de Túnis, Tunísia. A rendição aconteceu 773 dias após o início da ofensiva da Afrika Korps.
Por TIAGO CORDEIRO
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